Contos

Café sem Sonhos

Sinara Foss


Com a mão esquerda, Gregório equilibra a bandeja sobrecarregada com taças brancas manchadas de batom e restos de café; com a direita, passa o pano umedecido com álcool gel nas mesas. Levanta o rosto e olha através do vidro. Mal consegue enxergar a rua escondida atrás da chuva. Uma silhueta esguia, quase diáfana, com longos cabelos castanhos e ondulados abriga-se na cafeteria. Os braços carregados de livros e uma sombrinha colorida a desequilibra. Ao abrir a porta, Gregório a reconhece, é Marcela. Estudaram juntos no Ensino Fundamental. Ela sorri ao entrar deixando cair dois exemplares.

Marcela acomoda-se na mesa 3 e solta um suspiro. Olha para ele inclinando um pouco o rosto bem feito e sorri. Gregório junta os dois livros caídos e deixa-os ao lado dos outros, sobre a mesa. Moças atraentes como ela passam por ali todos os dias, estudantes dos mais diferentes cursos, mas ela é singular. Seus cabelos ondulam como um mar revolto em dia de vento, os olhos graúdos e profundos, dizem mais que a própria fala. Ao entregar o cardápio sem conseguir disfarçar sua admiração, suas mãos se tocam.

-Um pão de queijo e um café com leite, por favor. – Como num transe fica admirando por alguns segundos enquanto pergunta-se se por acaso ela o reconhece. Ao se afastar para buscar o pedido, sente a mão leve e suave em suas costas e se arrepia. Ela vai falar, dizer que se lembra dele, dos recreios, das professoras... Gira rapidamente o corpo num susto, e vê um sorriso meio tímido.

- Bem branquinho!

Sua voz era uma súplica e a mão, clara e macia, faz um gesto que ele não define. Afasta-se, e imagens de encontros, afagos, beijos que nunca aconteceram passam como um filme enquanto pega ocafé. Com o coração aos saltos pega um guardanapo e escreve seu nome e o número de seu telefone. A saliva foge da boca quando deposita a conta e o seu contato sobre a mesa.

Ao ler, ela balbucia seu nome.

Trocam olhares no silêncio. Sem poder parar, se afasta para atender outras mesas e sente o olhar dela pesar suas costas. A chuva enfraquece sem que troquem uma palavra. Gregório percebe, pelo canto do olho, que pouco depois, Marcela levanta e se direciona ao caixa.

Seca as mãos suadas no avental e passa o pano umedecido nas mesas atento ao menor gesto dela. Chega a escutar o pulsar quente das próprias veias em seus ouvidos.

Marcela já na porta de saída troca com ele um último olhar, sem sorrir. Com as mãos vazias, ele vai até a mesa 3. Sente uma dorzinha ardida no peito ao ver amassado ao lado da taça com restos de café, o guardanapo com o seu nome.

 

Cadastre-se para receber dicas de escrita, aviso de concursos, artigos, etc publicados no portal EscritaCriativa.com.br